Envelhecimento Saudável: o que o Brasil pode aprender com a Holanda?

Envelhecimento Saudável: o que o Brasil pode aprender com a Holanda?
Publicado em 17 de maio de 2017 / auditório da Fundação FHC


“As pessoas são diferentes umas das outras. Como desenvolver e implementar políticas para atender às diversas necessidades dos mais idosos?”

Bas van de Dungen, vice-ministro da Saúde da Holanda

O aumento da expectativa de vida coloca a maioria dos países do mundo diante de novos e complexos desafios: o que fazer para garantir que as pessoas envelheçam com dignidade, qualidade de vida e o máximo de independência e, ao mesmo tempo, evitar que o orçamento dos sistemas de saúde, assistência e bem-estar social entrem em colapso?

“O significativo aumento no número de idosos não é apenas uma estatística. É um fenômeno que levanta questões éticas sobre a solidariedade e a dignidade da vida humana, produz desafios para a sociedade como um todo e gera mudanças paradigmáticas no sistema de saúde e de bem-estar social”, disse o vice-ministro da Saúde da Holanda, Bas van den Dungen, em seminário na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

“A Holanda tem trabalhado muito para garantir que seus habitantes sejam bem cuidados e tenham independência e qualidade de vida até o final de seus dias, enquanto por aqui este é um debate, (que deveria ser) público, (mas) que jogamos para baixo do tapete”, afirmou o médico e gerontólogo brasileiro Alexandre Kalache, um dos principais especialistas em questões relacionadas ao envelhecimento no Brasil e no mundo.

A Holanda é um país rico e desenvolvido, com 17 milhões de habitantes e expectativa de vida média de 82 anos, que possui um estado de bem-estar social consolidado e um sistema de saúde eficiente. Em processo de desenvolvimento, o Brasil tem quase 212 milhões de habitantes e expectativa média de 75,5 anos, é extremamente desigual e ainda não conseguiu garantir atendimento de saúde de qualidade a toda a população nem uma vida digna até a velhice.

Mas, apesar das enormes diferenças, ambos têm em comum a necessidade urgente de desenvolver políticas para os mais idosos. “Em 2065, nossa sociedade estará tão envelhecida quanto a holandesa. A diferença é que a Holanda enriqueceu antes de envelhecer. Já o Brasil está ficando velho sem ter solucionado o problema da pobreza”, alertou o médico, que preside o Centro Internacional de Longevidade do Brasil.

“O tempo de corrermos é agora. Em 2025, daqui a apenas oito anos, o Brasil estará entre os seis países do mundo com maior número de pessoas com mais de 60 anos de idade.”, completou Kalache, que em outubro de 2015 esteve nesta fundação para dar a palestra Desafios e oportunidades do envelhecimento populacional.

Se o Brasil tem de correr, a Holanda não pode se dar ao luxo de ficar parada. “A Holanda tem um bom sistema de saúde baseado em três princípios: qualidade, solidariedade e acessibilidade. Mas, em uma sociedade que está envelhecendo, as perguntas que temos de fazer são: como garantir esses princípios a médio e a longo prazo? O sistema de saúde e de atendimento social será capaz de responder às necessidades dos pacientes do presente e do futuro?”, disse Van den Dungen.

“A sustentabilidade financeira é essencial. Na Holanda, os gastos com a saúde dos mais velhos aumentaram do equivalente a 1 bilhão de euros (cerca de R$ 3,68 bilhões) em 1968 para 30 bilhões de euros (cerca de R$ 110 bilhões) atualmente. Cerca de 30% do nosso orçamento anual para a saúde (incluindo assistência social) são gastos com a saúde dos idosos. Se isso já seria um problema em períodos de progresso econômico, em épocas de baixo crescimento e restrição financeira como nos últimos anos, torna-se insustentável”, continuou.

Lições holandesas

Veja a seguir as principais medidas que a Holanda tem adotado para enfrentar os desafios criados pelo aumento da expectativa de vida de sua população.

1 – “O que é importante para você?”
Segundo o vice-ministro holandês, as autoridades responsáveis pela definição das políticas voltadas aos mais idosos reformularam a principal pergunta que costumava ser feita a eles. Antes, a questão era ‘qual é o seu problema?’ (what is the matter with you?). Agora, ‘o que é importante para você?’ (what matters to you?). “As necessidades e as escolhas (das pessoas) mudaram incrivelmente nas últimas décadas. Desde os anos 1980, os idosos preferem seguir vivendo em suas casas ou com suas famílias e, em consequência, o número de casas de repouso diminuiu 50% nos últimos 40 anos, enquanto no mesmo período dobrou a quantidade de pessoas com mais de 75 anos. Isso não aconteceu por causa de uma decisão política, mas devido a uma mudança cultural e comportamental que é consequência de uma nova maneira de encarar o envelhecimento. Todo mundo gosta de ter controle sobre sua vida. Não há razão para achar que com os idosos seria diferente”, explicou.

2 – Reforma do sistema para torná-lo mais flexível e econômico
O sistema de saúde e assistência foi repensado para se adequar às necessidades das pessoas, que não são iguais, são variadas. Variam também os contextos sociais e familiares em que os idosos se encontram. “Não lidamos com os custos crescentes apenas cortando-os. Antes da reforma, as pessoas tinham de se adaptar a um pacote de atendimento que era basicamente o mesmo para todos. Depois, houve uma flexibilização de forma que nem todos os cidadãos recebem o mesmo tipo de tratamento e cuidado. A adequação a necessidades e contextos individuais diferentes se deu a partir de perguntas como: o que a própria pessoa ou sua família pode fazer por conta própria? Quando e como o Estado tem de participar (diretamente pela oferta de serviços ou indiretamente pelo apoio às famílias, por exemplo)? Parece simples (encontrar soluções para essas questões), mas é bem difícil colocá-las em prática”, disse o palestrante.

3 – Ampliação do cardápio de serviços
Assistência social e de saúde, auxílio à moradia e segurança doméstica, atendimento domiciliar e ambulatorial, atividades físicas e culturais, auxílio específico para idosos com demência ou outras doenças graves, entre outros, integram o vasto cardápio de serviços desenhados para melhorar a qualidade de vida dos mais velhos na Holanda. “O objetivo é oferecer uma ampla gama de serviços para que a pessoa opte por aqueles que melhor atendem às suas necessidades e aos seus desejos. Surpreendentemente, essas soluções customizadas com frequência exigem menos cuidado (intensivo) e resultam em economia de recursos”, contou.

4 – Transferência de poderes e recursos aos municípios
De acordo com o vice-ministro, as autoridades municipais, por estarem mais próximas dos cidadãos do que seus colegas em Haia (capital holandesa), têm muito mais capacidade de definir o que as pessoas precisam a partir de consultas à população e com base na realidade de cada local. “Nosso lema tem sido ‘mais poder aos municípios, menos poder ao governo central e às companhias de seguro’”, disse.

5 – Atendimento o mais perto possível das pessoas
O sistema de saúde e atendimento holandês se baseia, sempre que possível, em visitas às casas das pessoas ou em serviços ambulatoriais próximos ao local de residência. Somente em casos excepcionais ou quando absolutamente necessário, recorre-se a hospitais maiores ou casas de repouso. “Tudo é adaptado aos desejos e necessidades de cada um para aumentar sua qualidade de vida”, afirmou.

6 – Apoio às famílias
Consciente de que o atendimento informal aos idosos implica em um custo alto (em termos de tempo, esforço pessoal ou até mesmo financeiro) para familiares, amigos e/ou vizinhos, o governo busca dar apoio aos que querem ajudar. Há leis que estimulam a combinação de trabalho com assistência informal aos idosos, permitindo a soma das horas gastas em cada atividade. Também foram organizados grupos de voluntários que, quando necessário, substituem os cuidadores da família por algumas horas. “É claro que esse atendimento informal jamais substituirá o profissional, mas nosso objetivo é criar um círculo permanente de apoio. Para isso, é preciso valorizar os cônjuges, os filhos, os amigos ou quem quer que seja o responsável por cuidar do idoso no dia a dia”, disse.

7 – Investimento em tecnologia
Smartphones, aplicativos, tablets ou mesmo dispositivos mais específicos podem ser aliados importantes no monitoramento a distância da saúde e da segurança dos idosos. Eles também podem utilizar a internet para consultar profissionais ou pedir socorro em caso de emergência. Já sensores de localização por GPS são úteis para evitar que pacientes com algum tipo de demência se percam nas ruas (cerca de 70% desses pacientes continuam morando em casa, segundo o vice-ministro). Em janeiro deste ano, foi realizada uma semana inteira dedicada à medicina digital (e-health) na Holanda, com a participação de diversos órgãos públicos e organizações privadas, ONGs e grupos de idosos.

8 – Campanhas de conscientização
Também têm sido realizadas campanhas para sensibilizar a população sobre como pode ajudar os mais velhos em tarefas simples do dia a dia. “Todos podem dar sua contribuição”, disse.

9 – Parcerias com o setor privado
Diante do rápido aumento da população idosa, e dos recursos públicos finitos, o governo holandês tem privilegiado projetos em parceria com a iniciativa privada. “As chamadas PPPs (parcerias público privadas) estão no DNA holandês”, disse Van den Dungen. No Brasil, elas ainda patinam.

Inversão de prioridades

“O que os holandeses têm nos ensinado é como ter maior controle em relação ao inevitável declínio provocado pela idade para que possamos continuar independentes e viver bem pelo maior tempo possível”, disse Alexandre Kalache após a fala inicial do vice-ministro. Segundo o gerontólogo, a Holanda foi o país que mais o ajudou durante os 14 anos em que dirigiu o Departamento de Envelhecimento e Curso da Vida da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Sou muito grato às autoridades holandesas por toda a ajuda que nos deram sem impor condições ou ideias preconcebidas”, afirmou.

Para o médico, existe uma inversão de prioridades no Brasil. “O autocuidado é a dimensão mais importante. Em seguida, vem o cuidado da família, da comunidade e dos amigos. E, finalmente, o apoio institucional (em referência ao sistema público ou privado de saúde, que inclui hospitais, unidades e postos de saúde etc.)”, disse. “Mas no Brasil, colocamos a maioria dos recursos disponíveis no institucional, pouco no comunitário e quase nenhum recurso é destinado à família e ao autocuidado.”

Em um país onde 74% das mortes são causadas por doenças crônicas, entre elas as doenças cardiovasculares e diabetes, ou por causas externas (homicídios), o grande desafio é desenvolver políticas para as pessoas envelhecerem com saúde e dignidade. “Quantos aqui nesta sala já pararam para pensar com que idade vão morrer, de que causa e onde? Envelhecer ainda é um tabu entre nós. É preciso mais coragem e transparência para conversar sobre o fim da vida e a morte”, afirmou.

A consequência, segundo o médico, é que a maioria vive um período prolongado de sofrimento, com custos elevados de tratamento, ao final da vida. “Muitos vão morrer em hospitais, onde são submetidos a tratamentos agressivos e invasivos, quando o preferível é morrer em casa, cercado de familiares e amigos”, continuou.

“Quanto mais cedo, a pessoa se conscientizar de que deve cuidar de si própria, melhor. Mas nunca é tarde demais”, disse. Essa conscientização inclui boa alimentação, exercícios físicos e uma vida o mais equilibrada possível. “É importante ter hábitos saudáveis, mas como exigir que uma pessoa que vive na periferia, após um dia inteiro de trabalho pesado e depois de enfrentar três horas num ônibus lotado, ainda tenha disposição para se exercitar em uma rua escura, esburacada e perigosa?”, disse.

Como exemplo básico da falta de preocupação com os mais velhos, o médico citou o mau estado das calçadas nas grandes cidades brasileiras. “Para uma pessoa de mais idade, levar um tombo é uma coisa grave. Se não temos nem calçadas adequadas e conservadas, como sonhar com serviços mais elaborados de atendimento aos mais velhos?”, perguntou.

Ele também defendeu a necessidade de o Brasil realizar uma reforma do sistema previdenciário para garantir que todos recebam uma aposentadoria. Uma das principais medidas seria elevar a idade mínima de aposentadoria, cuja média atualmente é de apenas 54 anos. “Se nós, os mais velhos, não abrirmos mão de alguns privilégios, os jovens terão de sustentar toda a pirâmide invertida e o sistema entrará em colapso. Por isso, é preciso fazer as reformas necessárias com a cabeça fria, com o objetivo de termos um sistema previdenciário mais igualitário, justo e sustentável”, disse.

“No Brasil, ainda temos de garantir coisas básicas como direito à saúde, educação de qualidade e ao trabalho. Só assim todos poderemos ter uma vida digna, participar ativamente da sociedade, ter acesso a serviços e a um seguro de saúde, conseguiremos poupar e aposentar com uma renda razoável”, disse.

A mensagem positiva é que o Brasil tem hoje diversos estudiosos e pesquisadores dedicados ao tema do envelhecimento saudável, o que não existia há 20 ou 30 anos. “A necessidade fez nascer diversas especialidades em nossa sociedade. É hora de nos unirmos e de trabalhar”, disse.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.

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